quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A escolha de fazer um ano realmente novo


Quem pode definir o que...


Lições de vida que colhi nas caminhadas de 2012


Há alguns anos iniciei uma tradição que pretendo manter até o fim de meus dias – refletir sobre as lições que aprendi durante o ano que se encerra, colocar no papel uma ou duas delas e compartilhar com meus amigos e amigas, solicitando que me retribuam “na mesma moeda”.

Quero compartilhar duas inestimáveis lições de vida que colhi nas caminhadas de 2012. Ambas me foram proporcionadas por coletividades, ao invés de indivíduos.

A primeira lição decorreu do exercício da CONSULTA. A consulta a que me refiro não é a médica, mas sim um dos princípios estipulados por Bahá’u’lláh  –  como estratégia para investigação da verdade, instrumento para tomada de decisões, e meio para resolução de conflitos. O Fundador da Fé Bahá’í descreve a consulta como "a lâmpada da guia, que mostra o caminho e confere compreensão", e exorta Seus seguidores dizendo: "consultai em conjunto sobre todos os assuntos" [i].

Desde 2011, Ive e eu vínhamos refletindo, orando, consultando e tomando iniciativas na busca de uma melhor qualidade de vida para nossa filha e nós próprios – no que se refere a local de trabalho e de residência. Tínhamos três opções: Santo Antonio de Jesus, Salvador e Brasília – cada qual com seus prós e contras. Iniciamos um processo de consulta a amigos e familiares, compartilhando com eles uma tabela que preenchemos com as vantagens e desvantagens, potencialidades e temores de cada alternativa. O intuito desta consulta era nos ajudar a amadurecer uma tomada de decisão que, no final das contas, seria exclusivamente nossa.

Cada resposta e feed back que recebemos (por email, skype ou pessoalmente) nos ajudou a reconhecer os múltiplos aspectos envolvidos na decisão e, em alguns casos, nos fez enxergar questões e ângulos que não havíamos sequer imaginado. Nossa visão foi significativamente ampliada, aprofundada e transformada pela sabedoria coletiva das pessoas consultadas. Vivenciamos, de fato, as seguintes palavras de Bahá’u’lláh: "a consulta confere maior consciência e transforma as conjecturas em certezas. É uma luz brilhante que, num mundo escuro, ilumina o caminho e guia. Para tudo existe e continuará a existir um estágio de perfeição e maturidade. A maturidade do dom do entendimento é manifestada através da consulta".

As consultas, combinadas com uma corrente de orações, e seguidas por ações concretas e ousadas resultaram em uma nova configuração para nossa vida – ambos residindo e trabalhando em Salvador (no meu caso, como docente da Universidade do Estado da Bahia – UNEB). Tudo isso exigiu de nós paciência e perseverança. É extraordinário poder agora olhar para trás e perceber que em cada dificuldade e crise enfrentada havia um propósito maior.

A lição que extrai desse processo foi a de que por vezes nossas vidas ficam enredadas em conjecturas, entendimentos limitados e decisões imaturas porque carecemos de coragem, humildade, transparência e confiança para buscarmos “a maturidade do dom do entendimento” através da consulta.

Para clarear melhor, é útil diferenciar a atitude da "consulta" de outras posturas, bem mais comuns, mas que são completamente distintas da lição acima enunciada. Em um extremo estão pessoas que têm por hábito trombetear seus problemas pessoais ou familiares aos quatro ventos, não no intuito de buscar ajuda, guia ou apoio, mas sim de provocar piedade, chamar a atenção ou se lamuriar. Não vejo qualquer benefício nessa atitude. Consultar não é expor publicamente assuntos privados, não é confissão de pecados, nem tagarelar sem a sincera disposição para escutar e trocar perspectivas. No outro extremo estão as pessoas tratam seus assuntos pessoais e familiares como se fossem a senha que vai detonar simultaneamente todas as bombas nucleares, ou seja, um segredo que, se revelado, resultaria na destruição do planeta. Tampouco vejo qualquer benefício nessa atitude. Consultar implica em reconhecer que não estamos sós, que há laços de amizade que nos dão sustentação, que há pessoas dignas de confiança e dispostas a nos acolher e ajudar.  

Por isso, desejo que você possa, a partir de 2013, consultar cada vez mais – em seu lar, ambiente de trabalho, comunidade e atuação cidadã –, e obter muitos benefícios desse riquíssimo processo!

A segunda lição está relacionada à FELICIDADE, e me foi demonstrada por outro “mestre coletivo”: os estudantes a quem leciono na UNEB e na FTC. Ao conviver e escutar jovens que estão cursando os primeiros semestres do curso de Medicina observei um paradoxo. Confesso que é mais fácil enxergar esse tipo de coisa nos “outros” de que em si mesmo, mas se o intuito for o aprendizado e não a crítica ou o julgamento, justifica-se.    :-)

Diariamente esses jovens se queixavam intensamente da sobrecarga de aulas, estudos, leituras, provas, atividades de campo, seminários, cobranças e notas. Traduzindo as entrelinhas dessas falas, seria algo como “todos os problemas de minha vida são causados pelo fato de eu ser estudante de Medicina”. O paradoxo decorre do fato de que um ano antes eles estavam se lamuriando pelo fato de ainda não terem sido aprovados para o curso que tanto desejavam. Ou seja, a síntese seria: “todos os problemas de minha vida são causados pelo fato de eu não ser estudante de Medicina. Se eu estivesse na faculdade, seria a pessoa mais feliz do mundo!”. Entretanto, agora, mesmo tendo realizado o acalentado sonho, eles haviam postergado o seu projeto de “ser feliz” para quando tiverem concluído o curso.

Como já trilhei essa estrada, sei muito bem que ao concluir a faculdade, a tendência será que eles voltem a adiar novamente o momento de se permitirem ser felizes, colocando novas condições ad infinitum: “Se eu for aprovado para a Residência Médica”, “Quando eu concluir a Residência”, “Quando eu arrumar um emprego”, “Se eu ganhasse bem”, “Quando eu me casar” etc.  

Denominei isso de “condicionalidade”: qualquer condição que a pessoa define como pré-requisito para a felicidade. Funciona assim: Se  “x”  começar ou acabar, acontecer ou deixar de acontecer, aumentar ou diminuir, mudar ou parar, ... então (e somente então!), eu poderei ser feliz. O grande perigo das condicionalidades é nos levar a desperdiçar a vida procrastinando a felicidade em função de alguma meta ou conquista. Por mais importante ou meritória que esta possa ser, não vale a pena coloca-la como pré-requisito para a felicidade.

Observando meus estudantes, descobri que quando há uma situação que está nos incomodando, temos a tendência de imaginar que se a mesma for resolvida, tudo em nossa vida terá se resolvido. Isso ocorre quando estamos enfrentando um problema verdadeiramente grave, mas também nas fases em que a vida está transcorrendo em seu ritmo e turbulência habituais.

Por que esse fenômeno ocorre mesmo quando não há uma ameaça real ao nosso bem-estar? Porque omodus operandi  da mente consiste em eleger, a cada instante, um motivo (ie, uma justificativa) para nãonos sentirmos felizes. Essa lista de justificativas é infindável, pois sempre é fácil detectar “algo de errado” – seja ao nosso redor, seja nos “outros”, seja em si mesmo (as filas para cirurgias plásticas são uma demonstração dessa capacidade ilimitada de se sentir insatisfeito – mesmo quando não há razão para tal). Enfim, não importa o quanto a pessoa se esforce, avance ou supere desafios... a sua mente imediatamente colocará um novo problema no topo da lista, de modo a justificar o seu permanente descontentamento e frustração.

A segunda lição, que ainda preciso praticar bastante, poderia ser expressa nestas palavras: Escolho ser feliz agora mesmo, desde já, independente de quaisquer condições ou exigências. Se determinada conquista me trará uma dose adicional de felicidade, lutarei para concretizá-la. No entanto, não adiarei a felicidade de estar vivo aqui e agora, aprendendo, crescendo e servindo, em nome de algo que está localizado no futuro (ou no passado), algo que poderá ou não ocorrer, algo que depende de outrem. As expectativas que criei, as regras que formulei, as exigências que cobrei... nada disso me fez mais feliz, nada disso ajudou outros a serem melhores, nada disso trouxe benefício ao mundo. O amor que dei, graciosamente, esse sim, fez diferença. O bom exemplo que pratiquei, esse sim, melhorou o mundo – no mínimo, o meu próprio. As virtudes que desenvolvi – essas sim – me fizeram e me fazem feliz. O tempo, a energia e os bens que doei em favor de alguém ou de alguma causa nobre – esses sim – me enriqueceram e dão sentido à minha vida.  

Meu sincero desejo é que em 2013 você possa vivenciar a felicidade a cada instante, a cada passo, a cada tentativa, a cada tropeço e a cada vitória – sem qualquer condicionalidade a bloquear a alegria oculta nas pequenas coisas, o prazer de trilhar o caminho, o contentamento de quem está entregue à Sabedoria Suprema, o regozijo que brota espontaneamente da alma!!!

Se você desejar e puder compartilhar comigo algo significativo que tenha aprendido, vivenciado, reaprendido ou refletido em 2012, ficarei imensamente agradecido com esse presente para inspirar o meu Ano Novo.
Com sincero afeto,

Feizi

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[i]  A consulta, conforme Bahá'u'lláh preconizou, é um processo de diálogo e construção coletiva no qual os participantes se empenham por transcender seus pontos de vista individuais, a fim de funcionarem como membros de um corpo com interesses e objetivos próprios. Em tal atmosfera, caracterizada por sinceridade e cortesia, as ideias não pertencem à pessoa a quem essas ocorrem durante a conversa e sim ao grupo como um todo, para que ele as aceite, rejeite ou revise, como melhor lhe parecer para servir ao objetivo em vista. O propósito da consulta é alcançar um consenso sobre a verdade de uma dada situação e à escolha da ação mais sábia dentre as opções disponíveis num dado momento.